quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Conto inacabado de um Natal morto

O Arcano XIII do Tarot de Thoth


Enquanto o barman servia mais três doses de uma garrafa comprada de um whisky duvidoso (Jack Daniel's normalmente não tem esse gosto, mas a garrafa estava lacrada...), inicia o monólogo como que para uma platéia.

- Acompanha o meu raciocínio. Sabe o porquê este inferno de lugar vive cheio? A gente procura o não-nascer. A buceta é o caminho para aquilo que não devia ter acontecido. Todos querem voltar pro útero, onde não pensavam, não tinham que votar em político corrupto e menos se importar com a porra da família. Olhe para este lugar, pura decadência. Só ficaram as renegadas. Ora, puta não tem família? O que elas fazem aqui na ceia de Natal? Sim, irão ganhar perus sujos e fedidos. Restos de homens decrépitos que não tem outro lugar para estar nesta noite de morte. Natal não é nascimento, é a morte embrulhada com uma fita vermelha. E não podemos esquecer os caminhões da Coca-Cola. Até o Fernando Pessoa é a puta da Coca-Cola. Sempre somos a puta de alguém. Você é a minha puta agora. Escutando calado a minha indignação. Estou fodendo a sua orelha peluda com a minha língua áspera. E quer saber, nem eu sei o motivo da minha indignação. É apenas o vazio que perturba. Mas, se fosse algo cheio, também me importunaria. Talvez seja realmente a da minha consciência. Mas, acompanha o meu raciocínio. Não teria do que reclamar. Tenho a merda de uma cobertura num dos prédios mais caros da cidade, viajo para onde quero e quando quero a todo momento. Tenho tanto dinheiro que poderia comprar agora este lugar no débito ou crédito em qualquer um dos cartões que tenho na minha carteira. Quer ele de presente de Natal? É isto eu preciso pagar para minha puta da noite? Não vou te dar bosta alguma de presente. Nem se você tivesse o melhor boquete abaixo da linha do Equador. Sempre que falo em linha do Equador, lembro daquele episódio dos Simpons falando da força de Coriolis, aquele em que água da patente gira em direções diferentes. Sabe? Você não deve ter tido infância para assistir isto. Mas, é pura mentira. A água da privada gira em qualquer direção. Bullshit! Sabe, acho que o meu problema é que não gosto de pessoas. Todo mundo me dá asco em alguns meses. E olha que eu posso ser bem seletivo nas minhas escolhas. Engraçado, fazem alguns anos que passo o Natal aqui, alias, é o único dia que venho para esta pocilga. Nunca trepei com uma puta daqui. Sempre o mesmo ritual, uma garrafa, um copo limpo e o silêncio. Vejo todo ano as mesmas figuras. Aquela ali sentada de perna cruzada já foi bem mais gostosinha. No segundo ano que vim aqui, até pensei em passar os bagos nela. Não passou de um pensamento, uma paudurecência que mal passou de uma punheta. Olha, já que hoje foi um dia diferente, consegui conversar com alguém, desce uma garrafa do champagne mais caro daqui para cada pessoa que está conosco. Quatro putas. E uma pra você. Vou no banheiro e já volto. Mas, quando voltar, quero todos sorrindo, entendido? Quero te contar algo grande que aconteceu. Dois minutos e já volto.

O barman reúne as putas, conta da sorte delas em ganhar uma garrafa do champagne mais caro da casa, que dava mais ou menos umas três semanas de serviço da melhor puta do recinto. Que era para oferecer sorrisos e todos os agrados possíveis para o moço. Foi enfático em afirmar que pelo menos duas chupassem ele ali mesmo, e que outra fosse fazer uma massagem nos pés dele. afinal ele era o dono da casa hoje. Todas ficaram eufóricas com a sorte do Natal.

Porém, para infortúnio das rameiras e do barman, o homem escorrega e bate com a cabeça na pia. Não tem tempo nem de um último gemido de prazer. Algum tempo depois, três delas, como as Moiras, reprensentaram todo o contínuo da vida dele entre o nascimento e a morte. A puta restante desejou Feliz Natal ao barman com um beijo com gosto de L.A. Cereja.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Beijo roubado

Ela amava João. Mas João ainda não a amava. Mesmo assim, eles tinham um porém, misto de reticências, dores e prazeres. João negou o beijo e o afago. Ela, impertinente, procurou na madrugada o consolo para a rejeição.

Maria era bonita, doce, pervertida. Ela não amava Maria, mas a conhecia muito bem.

Pedro era um garoto bonito, descolado. Pedro não a conhecia, mas sabia de Maria todas as noites.

E naquele pequeno espaço de veludos azulados, Maria amou a menina por um instante, quase o mesmo em que Pedro roubou seu beijo... seus beijos, seus afagos. Então ela que amava João, foi amada por Maria e beijada por Pedro.

E beijo roubado é mais doce do que pirulito açucarado... Amor adoçado é elogio-curativo em coração adormecido.

* Também publicado em Confissões de uma Mistress

segunda-feira, 20 de julho de 2009

O cão cinéfilo

Fim de domingo. Feliz de quem tem amigos para compartilhar um cineminha. Nem todos curtem cinema francês e ter amigos que curtem não tem preço (ops... nada de apologias ao "homem chavão").

O domingo perfeito merece uma memória, ainda que curta: sono longo, leitura agradável, bom almoço, conversa com amigos, presente da feirinha da Lagoa, Sintonia e o café truffado, comprinhas no Bruxa da Ilha e Fête du Cinéma.

O nome do filme? Longe.

Como muito do que se vive em Floripa é inusitado, antes da bilheteria abrir, lá estava ele. Aparentava mais de 5 anos, um tanto sujo, pelagem negra macia e longa, olhos profundos e atentos.

Descansou em frente aos cartazes mais antigos. Observou os que entravam e os que saíam. Um casal estranho, até para os meus parâmetros, se aproxima; um carinho inesperado, uma reação nem tão amistosa para um border collie de rua.

Nós três, sentados nos bancos da nostalgia de tempos da Federal, admirávamos a postura do fiel. Nos perdemos na singeleza do momento, quebrado apenas por cerca de 1,80m de carne, olhos deliciosamente franceses, cabelos médios penteados à moda mediterrânea e uma loira sem graça a tira colo.

Incrível como homens tão singulares escolhem companhias tão comuns. E nem me refiro ao físico (porque detesto estas rotulações), mas sim à atitude. Um homem com brilho nos olhos merece uma mulher no mínimo simpática ou com estilo. Mas ok, este é assunto para outro post.

O fato é que o cão mereceria um ingresso e uma boa poltrona daquela sessão. Infelizmente as leis proíbem tal "aberração". Seria um nobre espectador para um filme tão fugaz quanto seu nome e para um domingo tão pitoresco quanto o de ontem...

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Síncope do samba (a) três

Mais uma vez Lúcia sente algo úmido entre as coxas. Sinestesia daquele maldito cheiro que a tirava do sério. Aquele perfume tinha cor, passava de 1,80 m e calçava sempre sapatos muito bem engraxados. Nem Grenouille saberia descrever tão bem um simples aroma.

A mesma mesa, o meio sorriso e o café expresso puro. Era o ritual dele, em que ela fazia questão de participar. Após algumas semanas, até aprenderá o seu nome. Lúcia, nunca ela gostara tanto de ouvir seu nome. Mas algo a incomodava na figura dele.

Bonito, alguns cabelos brancos e nenhum anel no dedo. Ou era um solteiro convicto, o que pra ela pouco importava, ou não gostava de mulheres. De tempos em tempos trazia algum novo "garoto" para sentar a mesa. Sempre mais novos. Queria ela sentar a mesa e lhe fazer perguntas.

Porém, as perguntas pouco importariam pra calar o seu desejo. Queria apenas ele, por inteiro e vibrando. Cada vez mais forte, ela já traçava um plano para uma abordagem certeira, que sabia muito bem nunca executar.

Ele levanta e arrasta seu mancebo em direção ao lavabo. Momento perfeito para ela descobrir tudo sobre ele. Ousados, entram aos beijos no comodo vazio aquela hora do dia. A calça dele logo fica nos joelhos enquanto o membro golpeia a face do rebento.

Lúcia totalmente sem luz, rompe a porta e o seu pudor. Aquela felação febril só abriu as portas da sua percepção. Ambos girando numa espiral de prazer, nem percebem ela sentar na pia gelada e se masturbar freneticamente inúmeras vezes.

Após um jato fundo, escuta um gemido que não o seu. Recobra os sentidos despidos de volúpia do pós-gozo. Observa que estam sozinhos no ambiente. Mas, logo a frente, na pia encontra um crachá com o nome Lúcia.

Ela corre pela porta dos fundos sem dar nenhuma satisfação pra alguém. Amanhã pede as contas e arranja outro trabalho. Tem medo dos desejos que não consegue controlar, principalmente os seus.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Compasso da luxúria

Parte da rotina das viagens a São Paulo. Escolher peças de decoração, passear no shopping em busca das últimas tendências, respirar os ares da metrópole que ditam as regras do simulacro em que vivemos...

Nariz de cera. Ele estava indo ao banheiro mais reservado do centro comercial. No cruzamento do portal, um olhar familiar apenas pela simulação própria da cena. Cabeça raspada, cerca de 1,85 cm de altura, olhos claros e luminosos, corpo esculpido pelos deuses.

Desceu a escada rolante como que pedindo ser seguido. Ele atendeu. Um imensa vontade os mantinha na equidistância segura, aventureira... Incrível como a falta de diálogo precipita os acontecimentos de forma positiva. Sempre fui fã da semiótica e da comunicação não-verbal!

No estacionamento tudo era explícito demais; a autoridade do rapaz o ordenava que entrasse no carro. O fez já sabendo que encontraria cheiro de sexo no ar. Umas voltas pelas redondezas e o cenário perfeito para um carro de vidros escuros: Shopping Morumbi.

Depois das 23h30 pouca gente passa por ali à pé, mesmo assim trata-se de um lugar seguro para os parâmetros da "jungle city". As aparências enganam e, pensando ser ele o dominado, se pos o moço de cabeça raspada a procurar o membro dele com voracidade para logo colocá-lo na boca. Parecia ter fome e sede, tamanho o arfã na felação.

Como nos fetiches concedidos o prazer deve ser dúbio, ele procurou seu falo e surpreendeu-se com a beleza e o tamanho. Volúpia, sordidez, poucas palavras, algo de turismo envolvido e os 42 anos do moço. Vai e vem de corpos. Desejo por mais. Impedimentos por menos do que a vida vale a pena - compromissos de trabalho cedo no dia seguinte!

João, que não gostava de Maria e tinha adorado o atrevido ilusionista de prédios, quis encontrá-lo no dia seguinte com mais calma. O furor dos pampas sempre exige alguns protocolos, mesmo que os muitos anos de paulistéia já o tivessem contaminado com relações frenéticas de libidos exacerbadas.

A ele interessava conhecer e desfrutar melhor do leonino de corpo sarado, jeans surrado, beijo entorpecente. Faminto por aventuras, ambos marcaram hora e local.

Infelizmente só um compreendeu a luxúria como algo de compasso nem sempre tão acertado...
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